domingo, 24 de fevereiro de 2013

Uma velha história de amor

Eram quatro filhos do samba. Mauro foi o primeiro a subir, no auge dos seus 80 anos. Numa roda de samba, no velho Bar do Feitosa, Juca deu seu adeus. O Maneco, uma semana depois, partiu tão de repente, talvez, tenha até passado despercebido pra ele.
Eu tava ali com o corpo agarrado à aquela poltrona antiga, aquela que guardava cada canção de ninar que eu cantava pra minha pequena. Não passei a vida inteira parado ali, só me sentei porque no passado eu já havia corrido demais, agora eu estava cansado, eu tinha estampado na pele os meus 90 anos. Descansava enquanto o charuto se desfazia. A vitrola cantava, a sala estava escura, não sabia que horas eram. Eu não conseguia desgarrar os olhos daqueles instrumentos no canto da sala, neles tinha minha história. Fiz da música minha verdadeira face, ao samba eu entreguei meu coração.Olhando aquelas cordas já desgastadas eu lembrava do meu tempo de boemia, do tempo em que eu corria, vivia cada nota que o samba me oferecia. Ontem foi a colação de grau do meu neto, um músico profissional...quem diria! De manhã cedo ele me acordou todo entusiasmado, com aquele sorriso que herdou da minha pequena. Passamos a manhã toda no jardim, contei pra ele detalhes da vida, contei a minha própria história, todos os meus amores, minhas tristezas, todo a minha música. E terminei quando meus olhos encharcaram com o brilho dos olhos do meu neto. E agora sentado ali eu percebia que havia cumprido minha meta de vida:  cheguei ao fim sendo capaz de narrar minha própria história. Eu vi meus companheiros deixarem a terra, eu vi minha pequena viver e triunfar, vi meu neto nascer e se transformar num filho do samba, exatamente como eu. Agora eu preciso tocar mais uma melodia, eu preciso sentir de novo as cordas do cavaquinho. Eu podia ir encontrar meus companheiros de boemia agora. Não quero nenhuma lagrima de tristeza, eu vou feliz como quando ia a uma roda de samba. Uma fresta de luz adentrou a sala, meus olhos se fecharam.




Desorganização

Caminho cambaleando,
faço quase um zigue-zague,
equilibro pratos e nem me interesso ao olhar.
Sinto saudade da minha cama,
sinto pela perda do meu eu.
Tenho hematomas que surgem além da minha compreensão.
Tenho dores parias.
Carrego angústias apenas porque se alojaram em mim.
Ansiedade: meu corpo é tenso.
Minha cabeça pesa.
Meu corpo reclama.
A vida segue, imagino o controle se esvaindo.
E sinto a perda do que não foi...
Assim digo que vivo: cambaleando.